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terça-feira, março 30, 2004

Transportes Salazar - A urbanidade moderna do antigo regime 

Sou um daqueles resistentes e fortes de espírito que dia após dia vai utilizando os transportes da Carris. É uma forma de conhecer novas espécies urbanas e também de expiar alguns pecados acumulados.
Nas paragens de autocarros, vê-se e ouve-se de tudo (às vezes mais do que se quer). Contudo, há um lamento vindo das bocas de muitos cidadãos seniores (forma politicamente correcta de designar a malta da terceira idade, vulgo cotas) que fez disparar a minha mentalidade empresarial.
Quando sujeitos a más condições ambientais (calor, chuva, vento, pragas de gafanhotos), à espera prolongada (muitas vezes mal compreendida, já que esta resulta de um esforço da Carris para ajudar os seus utentes a pôr a sua leitura em dia) e acicatados pela presença de muitos dos seus pares, não é raro ver o cidadão mais idoso começar com um discurso semelhante a este:
- Isto agora é uma pouca vergonha. Eles fazem o que querem, não há respeito por ninguém. No tempo do Salazar não era assim…

Logo surgem vozes de apoio:
- Pois não, pois não. Diziam mal do homem, mas com ele funcionava tudo a tempo e ninguém fazia farinha. Ah meu rico Salazar, comparado a esta rebaldaria de agora.

Este discurso é mero exemplo, pode assumir muitas formas, mas a ideia central é sempre a mesma. Com Salazar a mandar, os transportes eram de fiar.
Deste modo, desde já lanço um desafio aos descendentes do supracitado para que invistam numa companhia de transportes vocacionada para os idosos. Preços convidativos, autocarros decorados com fotos de Amália e Eusébio e onde o fado é uma constante musical, proibição de admissão a todos aqueles que não sejam portugueses de gema e horários austeros e cumpridos à regra.
Para atrair ainda mais esta clientela, a promessa (através de um protocolo com o Governo cabo-verdiano) de recuperação da prisão do Tarrafal para a qual seriam enviados motoristas que não cumprissem à regra os horários estipulados.

Cheira-me que esta lufada de ar bafiento iria agitar o mercado e com um bocado de sorte o sucesso dos Transportes Salazar iria ser citado em qualquer manual económico como um exemplo a seguir. Mai nada…


Mande Chumbo Quente uma vez por dia e livre-se de uma vez por todas da azia.
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Espécimes de Maratona II 

Não, não se trata de um documentário Eurosport sobre grandes vedetas do atletismo mundial, nem um especial do Canal Playboy com miúdas avantajadas em traje de corrida. É apenas a prometida conclusão da crónica sobre os espécimes que povoam a Mini Maratona de Lisboa, na qual este vosso humilde escriba tem vindo a participar, arrastando o seu coiro durante 7Kms em clara penitência por maus pensamentos e atitudes menos bondosas do seu dia a dia.

Para hoje temos então como prato do dia e conclusão, “O cromo dos mínimos Olímpicos�, “Os mijões� e para terminar, “O roupeiro. Perante este festim social, vamos então ao primeiro:

- “O cromo dos mínimos olímpicos� – Estes são fáceis de identificar, têm sempre ténis do mais avançado que há em termos de atletismo (isso dos ténis Sanjo é para pobres), equipamento hiper mega profissional, que evita a aderência de suor, corta os efeitos do vento, coze um ovo em três minutos e vai buscar o jornal ao quiosque quando devidamente programado. Este tipo de artistas, não tem idade definida, o que significa que a doença pode atacar em qualquer escalão etário, mas suspeito que englobam malta que acumulou fantasias sexuais com a Rosa Mota, com o Carlos Lopes ou até com ambos. Para as gerações mais jovens adicionamos a Naide Gomes e o portuguesissímo Francis Obikwelu ( acrescentando também um tom exótico). Eles têm barras de cereais para não perderem energia, eles têm uma cebola no pulso que cronometra, lê a pulsação e diz que tempo faz no Cabo Espichel, enfim eles têm tudo para vencer, em teoria é claro.
No momento da partida, fazem uso de um jogo de cotovelos que faria corar de inveja o saudoso Paulinho Santos só para ganhar mais uns metros no meio da largada geral. É vê-los na ponte gritando “C’ó licença, c’ó licença� esmifrando novos e velhos menos atentos aos avisos. Supreende-me o facto de ninguém ainda se ter lembrado de arranjar uma sirene para pendurar no ombro. Tudo bem que há ali gente que se arrasta com prazer pela ponte, desses já falei, mas isto também é exagero, especialmente porque se todos estes cromos conseguissem efectivamente o espaço que parecem precisar, choveria gente projectada da ponte…A minha sugestão é que para o ano, cromo que tenha um total de material no corpo de valor superior a 50 Euros seja obrigado a correr amordaçado e de braços amarrados ao peito. Não é grande solução, mas polui menos o ambiente…

- “Os mijões� – A capacidade da bexiga é variável de indivíduo para indivíduo e essa é uma verdade científica. O tempo de espera da partida também não ajuda, há pessoal que, fora o tempo nos transportes, fica perto de 2 horas à espera de começar a dar à perna. Para além disso, aqueles WC’s móveis ao fim de meia hora adquirem cheiro e nível higiénico (não comprovada pessoalmente) no mínimo suspeitos. Prova disso é que os arbustos junto à praça da Portagem são regados principescamente pelo vulgar corredor à rasquinha. Se o líquido expelido tivesse propriedades de crescimento, há muito que se falaria na Selva Amazónica do Cristo Rei. Mas não são desses mijões que pretendo falar, pois dar uma mijinha na natureza é algo porque 90% dos portugueses já passou..
Este espécime “mijão� é outro e só surge depois do tiro de partida. Ao longo dos 5 anos em que tenho participado neste evento, reparei que há um grupo (não posso garantir que sejam sempre os mesmos, mas tenho as minhas suspeitas) que espera quase até final da ponte e quando chega aos blocos de pedra onde está inscrita a designação “Ponte 25 de Abril� (antiga Ponte Salazar) toca de fazer um círculo e sai a bela da mijinha no pilar. O local é incómodo e pouco escondido, mais à frente a pouco mais de 200 metros há um matagal convidativo, mas estes poucos “romeiros� apontam sempre para o pilar. Será uma manifestação contra a designação da ponte? Um ritual prescrito pelo Professor Bambo? Uma confraria secreta? Ainda não descobri, mas prometo continuar a investigar para o ano….

- “O roupeiro� – Este fenómeno só começou a existir nos últimos anos, há medida que o ritual da “roupa voadora� começou a ganhar adeptos. E que ritual é esse? Como de manhã cedo faz algum frio, muitos são os participantes que levam alguma roupa, vulgarmente camisolas e/ou calças de fato de treino, por cima do equipamento de corrida. Não levando mochilas, optam por trazer roupa velha ou já usada que pouco antes da partida despem, atam de modo a fazer uma espécie de bola e arremessam com pujança para o ar, na expectativa de acertar na moleirinha de algum desatento. Há medida que o tempo passa, o número de peças de roupa voadoras aumenta e o volume de algumas bolas de roupa também, havendo relatos não confirmados de uma velhinha esmagada por 300 calças de fato de treino atadas (quem não ouviu falar desta tragédia, que se mantenha atento ao noticiário da TVI, que eles acabam sempre por descobrir estas coisas). É nesta altura que entra em acção o roupeiro…Este é por norma um indivíduo que carrega uma grande mochila, por norma vazia e que faz aqui a sua festa dos saldos, escolhendo entre as peças de roupa arremessadas aquelas que mais lhe interessam para o seu guarda roupa. Apesar de estes roupeiros serem na sua maioria anónimos, há quem diga já ter visto o Augustus de mochila às costas a recolher tecidos para as suas criações, mas nisso eu não quero acreditar. Mas, como o dinheiro está curto e de retoma nem sinal, para o ano lá estarei de mochila às costas, portanto se és participante e gostas de ajudar, para o ano leva roupa de marca para atirar ao ar (de preferência calças perto do número 44 e camisolas L/XL) e ajuda quem precisa.

Muitos outros são os cromos que participam na Mini Maratona, mas uma pessoa sozinha não chega para trinta mil, portanto só me resta continuar a participar e a descobri-los até que não reste nenhum por enunciar.


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domingo, março 28, 2004

Formas de vida em corrida 

Março de 2004, mais propriamente dia 28. Um belo dia cheio de inspiração para se criar um blog. Em teoria, esta seria a forma ideal de dar início a uma verborreia floreada sobre as motivações e inspirações pessoais e mitológicas que poderiam estar na origem deste Blog. No entanto, estou demasiado cansado para isso. Para ser franco, o dia de belo tem pouco, chove e faz frio como se Portugal fosse alguma sucursal da Lapónia. Inspiração?? Depois de correr os 7 km da Mini Maratona de Lisboa, as duas únicas palavras acabadas em ção que rimam com a minha pessoa são "Transpiração e Exaustão".

Portanto, para ser realmente franco com os meus fieis leitores (ou seja, eu e mais 2 gajos que consiga obrigar a visitar esta espelunca), na origem da criação deste blog está o facto de que o tempo está mau para sair de casa, eu estar demasiado podre para me tentar levantar desta cadeira e me apetecer mandar "chumbo quente".

Como já disse, participei hoje na mini maratona, já que me entusiasmam as experiências sociais de último grau e este tipo de ajuntamentos de maralha são ideais para isso mesmo. A atracção de passar a ponte 25 de Abril a pé é sem dúvida o factor que mais motiva as pessoas a aderir, tal como o "convívio social", dirão a maior parte dos observadores comuns. No entanto, num saber de experiência feito que acumulei ao longo de diversas participações, descobri outras motivações latentes, assim como espécimes sociais de grande interesse científico que passo a enunciar:

- O "Assalto aos brindes": português que é valente bate-se com galhardia por qualquer oferta gratuita, como se esta fosse um anel de diamantes de valor incalculável. É impressionante ver como matilhas de gente se atiram aos promotores que oferecem bonés do "Correio da Manhã" ou lenços do "Corte Inglês", à medida que vão chegando ao tabuleiro da ponte 25 de Abril antes da partida. Apesar de não ser adepto destes brindes de elevada qualidade, compreenderia se uma pessoa quisesse levar um ou dois como recordação. Agora ver, como eu vi hoje, com estes olhos que a terra há de comer, gente a carregar perto de 20 bonés, incitando ainda os parentes mais próximos a ir buscar mais, pessoal a coleccionar tantos lenços verdes do "Corte Inglês" que estendidos no chão davam quase para um relvado de futebol não me parece minimamente normal. Mas como são de borla, ai daqueles que digam não a semelhante dádiva. Mas não fiquemos por aqui...
Na chegada à meta, apesar do cansaço, raios partam os "Valentes dos brindes" se ainda não têm energia para mais uma colecta. Cada participante tem direito a um saco com ofertas dos patrocinadores, maioritariamente bebidas (águas e isotónicos), mas lá vêm sempre os cromos que usam de toda a sua perícia para conseguir o saquito extra ou até mesmo fazer o hattrick de sacos. É fácil identificá-los, são aqueles que olham de lado com desprezo para os pobres tolos que apenas conseguiram um saco...

- As "Arrastadeiras" - Nem toda a gente que vai à mini maratona vai para correr. Há aqueles, no seu pleno direito, que vão apenas para uma caminhada prazenteira neste agradável percurso. Até aí tudo bem. Esta prole, nomeadamente composta por um vasto agregado familiar, desde o bisavô que vai de andarilho até ao bisneto que apesar de só gatinhar também quer dar um ar de sua graça; ou ainda pelo Centro de Reformadas de Fornos de Algodres que veio até Lisboa mostrar a sua raça. Por norma, reunem-se cedo e comparecem a tempo no local de partida. Até aí tudo bem. O problema começa quando este aglomerado começa a furar, a furar até chegar, quando consegue, até aos primeiros lugares da grelha de partida. Para além de ter de levar com o cheiro de alguns farneis pouco recomendáveis para uma corrida, como a bela sandes de chouriço ou o tintol a copo servido nalguns casos com sofreguidão. Deste modo sou obrigado, ao tentar correr depois do tiro de partida, a fazer um slalom digno dos melhores esquiadores olímpicos, já que embora não corra, esta troupe está na primeira linha de partida fazendo reviver os bons velhos tempos de entupimento no garrafão da ponte.
Hoje tive ainda oportunidade de observar um dos motivos que pode estar na origem das movimentações pré partida das "Arrastadeiras". Depois de abalroado por um grupo de 5 velhinhas determinadas a partirem em primeiro lugar, pus-me a ouvir o seu diálogo enquanto observavam os profissionais (que partem mais à frente) no seu aquecimento, sendo que boa parte deles é africana:
Velhinha 1: Ai, aqueles pretinhos não se cansam já a correr tanto antes da corrida?
Velhinha 2: Não, eles desde pequenos que correm 50 Km só para ir à escola.
Velhinha 1: São tão magrinhos, coitadinhos. Ainda voam da ponte com este vento
Velhinha 2: Eles são todos assim. Mas têm muito músculo e suam muito...

Aí percebi tudo. É o interesse científico que move esta gente. As conclusões científicas e factuais a que se chegou em poucos segundos não deixa enganar. Contudo, a declaração final da última velhinha deixou-me entrever um certo fetiche com atletas africanos...

- Os "Sprinters de Pacotilha" - Cada um encara esta prova como lhe parece melhor. Confraternização, competição, diversão em movimento, etc. Isso nem sequer ponho em causa. Mas há certas particularidades, no mínimo interessantes, que detecto entre os participantes da Mini Maratona (7km), nos quais me incluo. Sobre a Meia Maratona (21km) não posso comentar, pois não tenho capacidades (motoras e mentais) que me habilitem a correr tamanhas distâncias sem que a minha vida esteja em perigo. Quem são os "Sprinters de Pacotilha"? São todos aqueles que gostam de exibir a sua velocidade de ponta em situações em que isso tem tanto impacto como as madeixas loiras numa sueca típica. Quando se sai do comboio no Pragal, a caminho do ponto de partida, há um percurso de cerca de 15 minutos a pé. Se uma pessoa aí chegar já perto da hora de partida faz sentido fazer uma corridita de aquecimento. Ora eu cheguei ao Pragal por volta das 8.40 horas e a partida dar-se-ia só às 10.30 e sendo assim, qualquer aquecimento na altura diluir-se-ia no período de espera antes da largada. Isso pensei eu, pobre tolo. Era ver passar "autênticos" tubarões do meio fundo em corrida acelerada até ao ponto de partida, apesar de ainda terem de esperar quase 2 horas como toda a gente. Um deles, com sorriso condescendente nos lábios, vira-se para nós gente simples sem noções de atletismo "Vá lá pessoal toca a aquecer, que isto hoje está frio e depois não se aguentam". A ventania que levou no trombil deve tê-lo feito reflectir mais tarde, já que ainda não tinha passado meia ponte e indo eu em passo de corrida moderado vejo este nosso "Paul Tergat" já a andar calmamente comentando para o seu parceiro "Epá estou todo roto, a ponte ainda é grande..." Palavras para quê.
Este é o chamado "Sprinter de Pacotilha Inicial", sendo que existe também o "Sprinter de Pacotilha Terminal". Este também só se aplica aos domingueiros da mini maratona, prova na qual não há classificação individual, repito, não há classificação individual. 7Km ainda cansam e muita gente não tem a preparação ideal para a prova, mas mesmo assim consegue cumpri-la em corrida e muitas vezes em esforço. Mas, o que eu gosto de ver são aqueles cromos que, apesar de já irem com os bofes de fora, vermelhos que nem um pimentão e a arrastar o traseiro, não resistem a um sprint (daqueles que se vêm em câmara lenta com música do Jean Michel Jarre) para palmarem uns lugares aos 20 gajos que vão à frente. Valor objectivo = 0, Satisfação Saloia = total Não serve de nada, mas este sprint mostra a todo o público na área da chegada, que se eles quisessem, podiam ter vindo muito mais depressa só que só quiseram mostrar o seu potencial nestes 30 metros finais. Enfim, macadadas....

Para amanhã a(de)nuncio mais algumas categorias de participantes, tais como "O cromo dos mínimos olímpicos", "Os mijões" e ainda "O roupeiro".



Mande Chumbo Quente uma vez por dia e livre-se de uma vez por todas da azia
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